quarta-feira, 25 de março de 2015

Na terra da liberdade, africanos lutam pela tolerância

Vindos de países africanos para cursar faculdade, alunos negros contam que lidar com o preconceito pela cor da pele ainda é um desafio diário. Ensinar a tolerância com a diversidade é missão, eles afirmam

João Semedo, de Cabo Verde, e Júlio Cambanco, de Guiné-Bissau, estudam na Unilab, em Redenção
Com o olhar de quem vem de fora, o que é silencioso por aqui se torna evidente. “O brasileiro tem preconceito com ele mesmo, imagina com os africanos”. Vindo de Guiné-Bissau, Júlio Cambanco, 25, mora há quase três anos em Redenção, a cidade que se regozija pelo pioneirismo contra a escravidão nos tempos em que o País era um Império. Na cidade a 63 km de Fortaleza, o trabalho escravo foi oficialmente abolido no primeiro dia de 1883 - à frente, inclusive, da Data Magna do Estado, que completa 131 anos hoje. Os resquícios de discriminação, entretanto, ainda são presentes.  


Veja o Vídeo  

Sede do Campus da Liberdade, que tem quatro cursos de graduação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Redenção recebe alunos de seis nacionalidades africanas. Júlio estuda Administração Pública. Antes de chegar, conta, não acreditava que as pessoas olhassem diferente por causa da cor da pele. “Nunca tinha passado pela minha cabeça que há preconceito no mundo. Quando eu cheguei aqui, eu vi”. Até hoje, Júlio não entende o porquê de esse preconceito existir. Mas ele existe porque as pessoas negam a possibilidade da familiarização com a diversidade - João Semedo, 26, tenta explicar (por mais que não seja justificável). Ele veio de Cabo Verde para cursar Bacharelado em Humanidades. “O preconceito está interiorizado no brasileiro”. E essa discriminação aparece quando um africano leva mais tempo que o normal para ser atendido no hospital, uma mulher briga com o filho que se aproxima de um negro na rua ou a criança confessa que a mãe “não gosta de vocês” - são os exemplos que os dois citam.


 Mais tolerância
O preconceito só existe para negar um conhecimento maior sobre o mundo, reflete João. É uma barreira que precisa ser quebrada. Um primeiro passo, aponta Júlio, é ter tolerância com a intolerância - “para que os outros possam nos reconhecer”. Mudar um pensamento que se constrói desde que o Brasil é Brasil e desmistificar um conceito que se impõe são desafios, eles comentam. “Um dia, isso vai mudar”, vislumbra o guineense.

Além de estudar, os dois jovens querem mostrar que é possível ser igual com diferenças. “A gente tem de perceber isso como um objetivo também para construir esse tipo de resistência”, vê João. Tudo depende de um conjunto de ações: educação, leis e a aplicação delas. “Uma coisa é juntar as pessoas, que nós chamamos de multiculturalidade, e outra coisa é a interculturalidade”, diferencia Júlio. Interagir é conhecer quem é o outro. “Somos irmãos”. 


Saiba mais

Desde 5 de janeiro de 1989, o racismo é tipificado como crime no Brasil. A lei nº 7.716 determina pena de reclusão a quem tenha cometido atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Segundo a Constituição, é objetivo da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º, inciso IV).

Para os crimes de preconceito, a Lei 7.716/89 impõe penas que podem chegar a cinco anos de reclusão.

Outras legislações contra o preconceito racial foram criadas, como o Estatuto da Igualdade Racial (2010) e a Lei de Cotas (2012), que determina que o número de negros e indígenas de instituições de ensino seja proporcional ao do estado onde a universidade está instalada.

Com três campi em Redenção, Acarape e São Francisco do Conde (Bahia), a Unilab tem, atualmente, 653 alunos de países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa além do Brasil: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. 


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